Fernanda de Freitas Leitão
Tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro
Atualmente, vivemos um momento em que o Poder Judiciário sofre com a sobrecarga do número de processos – foram aproximadamente 84 milhões em 2023 -, decorrentes principalmente do vertiginoso aumento do número de novos direitos criados a partir da Constituição de 1988 e da própria população. Ao mesmo tempo em que contamos com um número reduzido de magistrados, estima-se que cada juiz tenha sob a sua responsabilidade uma carga de 1.787 processos, fazendo com que esse Poder não consiga atender de forma eficaz a todas as demandas que lhe são dirigidas.
Esse problema que acomete o Poder Judiciário foi objeto do livro “A Era dos Direitos”, de Norberto Bobbio. Em sua obra, Bobbio explica de forma clara e objetiva que essa incapacidade do Poder Judiciário é forjada exatamente na perversa equação que prevê uma progressão geométrica dos direitos tutelados, bem como da população, em contrapartida à progressão aritmética do número de magistrados. Por outro lado, acrescente-se, igualmente, que a nossa Constituição Federal, no seu inciso XXXV, do art. 5º, prevê um amplo acesso ao Poder Judiciário. Como se percebe, trata-se de um problema de difícil solução que atinge a todos. Isso implica dizer que a morosidade, o alto custo e a imprevisibilidade das decisões judiciais são problemas mundiais.
Com o intuito de solucionar esse imbróglio, ou ao menos minimizá-lo, iniciou-se um movimento que tem como escopo transferir para os serviços notariais todas as questões que não envolvam litigiosidade e, em alguns casos, até mesmo as que envolvem, como na mediação, na arbitragem e na conciliação, entre partes maiores e capazes. Na verdade, não se trata de subtração ou mera transferência, mas sim de um compartilhamento com toda a sociedade da responsabilidade por esse número estratosférico de ações judiciais em trâmite no Brasil.
Sendo assim, e com vistas a esse imprescindível compartilhamento, e por consequência, a efetividade da própria Justiça, a Lei nº 14.382, de 27/06/2022, criou, entre tantas outras inovações, a adjudicação compulsória extrajudicial, prevista agora no art. 216-B da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos).
DO BREVE E NECESSÁRIO HISTÓRICO
A possibilidade de se requerer a adjudicação compulsória se deu por meio do Decreto-Lei nº 58/1937 (arts. 5º e 16), assinado por Getúlio Vargas, que se baseou em projeto do então deputado Waldemar Ferreira, que, por sua vez, se baseou na legislação uruguaia.
O supracitado Decreto-Lei tinha como objetivo coibir os abusos que eram perpetrados pelos loteadores e incorporadores de imóveis, movidos pela ânsia de lucro, que se valiam do direito de arrependimento, previsto no art. 1.088, do Código Civil de 1916, para não outorgar as escrituras definitivas.
Além de prever a possibilidade de se requerer compulsoriamente aquele imóvel prometido à venda, o referido Decreto-Lei conferiu àquela promessa eficácia real, criando uma nova figura jurídica que seria a do compromisso de compra e venda (contrato preliminar impróprio, em que não existe nova manifestação de vontade, mas sim, a sua reiteração), que se diferenciava do contrato preliminar de promessa, vide art. 462, do Código Civil (contrato preliminar próprio, que se traduz em obrigação de fazer que, não cumprida, converter-se-á em perdas e danos).
No entanto, o Decreto-Lei nº 58/1937 contemplava apenas os imóveis loteados, urbanos e rurais.
Em 1938, o Decreto nº 3.079, que regulamentou o Decreto-Lei nº 58/1937, estendeu no seu art. 22 aos imóveis não loteados a possibilidade de se averbar os compromissos de compra e venda, termo usado naquela época, no registro imobiliário, conferindo-lhes eficácia real.
E, de acordo com a Lei de Registros Públicos igualmente daquela época (Decreto-Lei nº 4.857/1939, com a redação alterada pelo Decreto nº 5.318/1940), os imóveis não loteados poderiam ser inscritos e os imóveis loteados, averbados.
Decorridos 11 anos da publicação do Decreto-Lei nº 58/1937, sobreveio a Lei nº 649, de 11 de março de 1949, estendendo aos contratos, sem cláusula de arrependimento de compromisso de compra e venda de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido pago no ato ou em parcelas, e desde que devidamente inscritos em qualquer tempo, o direito de adjudicação compulsória, garantindo-lhes, igualmente, o direito real oponível a terceiros.
Mais adiante, no ano de 1973, foi publicada a Lei nº 6.014, prevendo a possibilidade de se adjudicar compulsoriamente, os contratos de compromisso de compra e venda e as suas respectivas cessões, sem cláusula de arrependimento, para os imóveis não loteados. Essa mencionada lei alterou o art. 22, do Decreto-Lei nº 58/1937, dando-lhe a atual redação.
Com a nova Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015/1973, houve a unificação da palavra registro, tanto para os imóveis loteados como para aqueles não loteados.
Em 1979, foi publicada a Lei nº 6.766 (antes o Decreto-Lei nº 271/1967), que disciplinou o parcelamento do solo urbano, instituiu um regime jurídico especial aos compromissos de compra e venda, de cessão e de promessa de cessão dos imóveis loteados, restando claro que essa lei se aplica aos imóveis loteados urbanos, permanecendo o Decreto-Lei nº 58/1937 disciplinando a matéria para os imóveis loteados rurais e os não loteados (art. 22, do Decreto-Lei nº 57/1937).
Mencione-se, igualmente, por oportuno, que o direito à adjudicação compulsória é extensivo à Lei nº 4.591/64 (Lei das Incorporações Imobiliárias), § 2º, do art. 32 e § 4º, do art. 35 (alteração dada pela Lei nº 10.931/2014); bem como à Lei nº 4.380/1964 (Sistema Financeiro Habitacional), no seu art. 69.
Finalmente, no ano de 2022, foi publicada a Lei nº 14.382/2022, que criou o instituto da adjudicação compulsória extrajudicial, v.g., aquela requerida diretamente perante o registro imobiliário, por meio do art. 216-B, da Lei nº 6.015/1973.
DA ALTERAÇÃO DE PROPÓSITO DA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA
Como podemos perceber, a adjudicação compulsória nasceu com o objetivo de proteger os adquirentes que, mesmo após o pagamento integral do preço, viam a sua pretensão resistida indevidamente pelo compromitente vendedor.
Sem dúvida alguma, uma questão a ser resolvida no âmbito do Poder Judiciário, por ostentar essa característica de litigiosidade.
Por outro lado, situação bem diversa ocorre com a criação da adjudicação compulsória extrajudicial, que pressupõe a inexistência de controvérsia e muito mais se assemelha a uma regularização extrajudicial imobiliária, ideia mais consentânea com a verdadeira essência do instituto, do que à literalidade do termo adjudicação compulsória.
Impende ressaltar que o verbo adjudicar na área jurídica tem vários sentidos e quando o assunto é adjudicação compulsória de bem imóvel, significa o processo no qual se estabelece que a propriedade de um bem imóvel se transfere do seu primitivo dono para o adquirente, por força de decisão judicial.
Portanto, poderíamos dizer que essa terminologia, adjudicação compulsória extrajudicial, seria um apelido, um nome fantasia ou melhor, poderíamos denominá-la de adjudicação compulsória por “assemelhação” por traduzir de forma mais fidedigna o seu real sentido e tornar mais fácil a compreensão desse assunto tão complexo e confuso, que pouca semelhança tem em relação ao processo judicial.
Por seu turno, a criação da adjudicação compulsória extrajudicial tem como fundamento o deslocamento para o serviço extrajudicial daquelas situações que, por alguma razão, foram impedidas de alcançar pelos meios convencionais a regular escrituração e o registro, mas que não ostentam litigiosidade.
Normalmente, estaremos diante de situações envolvendo pessoas em locais desconhecidos, sociedades falidas ou extintas, entre outras, que não configuram uma lide e já se encontram consolidadas pelo tempo. Mas que, no entanto, impedem o bem imóvel de ter acesso ao registro imobiliário, depreciando o seu valor de mercado e inibindo a economia.
A Lei nº 14.382/2022, que alterou a Lei de Registros Públicos, criou esse instituto com o escopo de simplificar a regularização de imóveis, porém, a mencionada lei foi extremamente lacônica e suscitou inúmeras dúvidas, que foram, em parte, esclarecidas pelo Provimento CNJ nº 150/2023, de 11/09/2023. Este, por sua vez, foi integrado ao Provimento CNJ nº 149, de 30/08/2023, que instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça, Foro Extrajudicial.
Igualmente, vale ressaltar que antes da publicação do Provimento CNJ nº 150, que trata da adjudicação compulsória extrajudicial, estados como Rio de Janeiro (Provimento CGJ/RJ nº 87/2022), São Paulo (Provimento CGJ/SP nº 06/2023) e Santa Catarina (Provimento CGJ/SC nº 34/2023) já haviam expedido os seus respectivos provimentos sobre essa matéria.
Embora o Provimento CNJ nº 150 não tenha abordado todas as questões controvertidas que cercam a temática da adjudicação compulsória extrajudicial, deve-se reconhecer que o referido Provimento foi bastante abrangente e tratou de diversos temas extremamente sensíveis. Para termos uma noção da abrangência do trabalho do Conselho Nacional de Justiça, temos que o art. 216-B, da Lei de Registros Públicos com a alteração dada pela Lei nº 14.382/2022, é composto por um artigo e três parágrafos, enquanto o Provimento CNJ nº 150/2023 é composto por 39 artigos.
DA NECESSIDADE OU NÃO DO REGISTRO DO COMPROMISSO
Essa celeuma sobre a necessidade ou não do registro dos instrumentos preliminares impróprios para a propositura da ação judicial de adjudicação compulsória movimentou nossos tribunais, e foram editadas várias súmulas do Supremo Tribunal Federal, no sentido da obrigatoriedade do registro (167, 413, 621).
Todavia, após o advento da Constituição da República de 1988 e o árduo trabalho da doutrina e da jurisprudência pátria, mormente do Superior Tribunal de Justiça, foi editada a Súmula nº 239, no ano de 2000, colocando um ponto final a qualquer dúvida sobre a desnecessidade do registro do instrumento de compromisso, cessão ou promessa, para a propositura da ação de adjudicação compulsória, pelo menos naquele momento.
Com o advento do novo Código Civil em 2002, nos seus artigos 1.417 e 1.418, a princípio, reacendeu-se a discussão sobre o retorno da necessidade do registro dos instrumentos compromissórios para a propositura da ação de adjudicação compulsória.
Entretanto, saiu vitorioso o entendimento doutrinário de que deveria ser aplicado o § 2º do art. 2º do Decreto-Lei nº 4.657 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), de 4 de setembro de 1942, i.e., aplicar-se-ia o entendimento de que permaneceria não sendo necessário o registro para fins de adjudicação compulsória, por ser o Código Civil lei geral, não revogando o previsto em lei especial.
Impende salientar que esse entendimento doutrinário foi confirmado pela Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, que provocou uma verdadeira revolução na vetusta Lei de Registros Públicos, criando o art. 216-B, a adjudicação compulsória extrajudicial, ou seja, aquela adjudicação requerida diretamente no registro imobiliário. E, de acordo com o § 2º do art. 216-B da Lei nº 6.015/73, o requerimento da adjudicação compulsória independe de prévio registro dos instrumentos preliminares impróprios e da comprovação da regularidade fiscal do transmitente (seguindo orientação das Adi nºs 173 e 394 e do Pedido de Providências CNJ nº 00012320.82.2015.2.00.0000).
DO PROVIMENTO CNJ nº 150/2023
Antes da publicação do supracitado Provimento, pairava dúvida sobre em que momento se iniciaria o processo da adjudicação compulsória extrajudicial: se no registro imobiliário, com a notificação prevista no inciso II do art. 216-B, ou com a lavratura da ata notarial.
Com efeito, acertadamente, o Provimento CNJ nº 150/2023 determina que o processo se iniciará com a ata notarial, vide art. 440-M do Provimento CNJ nº 150/2023.
Indubitavelmente, a forma mais eficaz de alcançarmos o pretendido registro da adjudicação é dando início ao processo com a ata notarial, conforme previsto no Provimento CNJ nº 150/2023, requerendo, posteriormente, o seu registro, nos termos do item 48, inciso I, do art. 167, da Lei nº 6.015/1973, com a nova redação dada pela Lei nº 14.711/2023.
O notário, diante da documentação apresentada pelo requerente, analisará se se trata de adjudicação compulsória, de usucapião ou se restam providências a serem tomadas com o escopo de aperfeiçoar e complementar a descrição do imóvel ou das partes envolvidas.
Isso implica dizer que, antes mesmo da lavratura da ata notarial, o tabelião de notas deverá comprovar que o requerente já envidou todos os seus esforços para a obtenção da escritura definitiva a ser outorgada pelo transmitente, procurando, simultaneamente, verificar qual é o óbice que existe para que seja lavrada a convencional e necessária escritura definitiva e a razão do seu insucesso nas suas tentativas, a fim de se evitar o manejo da adjudicação compulsória extrajudicial como meio de burla aos requisitos legais do sistema notarial e registral, bem como da tributação incidente sobre os negócios imobiliários (vide § 2º, do art. 13, do Provimento CNJ nº 65/2017 e atual § 2º, do art. 410, do Provimento CNJ nº 149/2023).
Ainda nessa fase preambular, o notário deverá orientar o requerente acerca da eventual inviabilidade do pedido de adjudicação compulsória, vide § 1º do art. 440-G do Provimento CNJ nº 150/2023.
Por seu turno, poderá, ainda, o tabelião de notas e o registrador imobiliário, se houver a concordância do requerente, instaurar a conciliação ou a mediação, vide § 8º, do art. 440-G e Parágrafo único, do art. 440-AA, respectivamente, do Provimento CNJ nº 150/2023, com vistas à solução de eventual questão. Além disso, o Provimento CGJ/RJ nº 87/2022, no seu § 1º, do art. 1.267, prevê a possibilidade de justificação administrativa, perante o registrador imobiliário, a fim de elucidar dúvidas, imprecisões ou quando se tratar da hipótese da ausência ou da insuficiência de documentos.
Além disso, caberá ao notário rejeitar o pedido de lavratura da ata notarial sempre que se verificar ilicitude, fraude ou simulação, ex vi do art. 440-I do Provimento CNJ nº 150/2023.
E, por derradeiro, ainda em análise preliminar, o tabelião de notas deverá constatar a quem seria endereçada a notificação, ou seja, quem seria a pessoa física ou jurídica legitimada para a outorga da escritura definitiva.
Sendo assim, ultrapassadas essas análises introdutórias, o notário começará a preparar a ata notarial visando à adjudicação compulsória, que poderá instruir uma ação judicial ou o requerimento extrajudicial, lembrando que a eleição da via extrajudicial é facultativa (vide § 2º do art. 440-G do Provimento CNJ nº 150/2023).
De acordo com o citado Provimento, constata-se que o tabelião de notas deverá atuar de forma proativa, envidando todos os seus esforços para a correta conformação do ou dos títulos, tornando-os aptos para o ingresso ao registro imobiliário.
E, para alcançar esse desiderato, o Notário poderá dar fé às assinaturas, com base nos cadastros nacionais (§ 7º do art. 440-G do Provimento CNJ nº 150/2023); poderá provar o adimplemento integral do preço, por diversas formas (§ 6º do art. 440-G do Provimento CNJ nº 150/2023); poderá fazer constar informações que se prestem a aperfeiçoar ou a complementar a especialidade do imóvel (§ 4º do art. 440-G do Provimento CNJ nº 150/2023), resumindo, o notário terá que esgotar todas as possibilidades, de forma a tornar os “atos ou negócios jurídicos que formam a cadeia sucessória dos títulos aptos para o pretendido registro”.
Nesse sentido, vale transcrever a lição da ilustre advogada gaúcha, Carolina Mosmann, no que tange à possibilidade de o tabelião de notas dar fé às assinaturas, in verbis:
“Na verdade, ele traz a possibilidade do controle de autenticidade do documento a ser efetivado pelo notário que lavrará a ata notarial por meio do reconhecimento de firma a posteriori, conforme previsto no §7º, do art. 440-G: “o tabelião de notas poderá dar fé às assinaturas, com base nos cadastros nacionais dos notários (art. 301 deste Código Nacional de Normas), se assim for viável à vista do estado da documentação examinada.”
No que se refere à comprovação da quitação do preço, o Provimento CNJ nº 150/2023, inciso VI, § 6º, do art. 440-G, prevê, de forma exemplificativa, que o adimplemento poderá se dar por meio de ação de consignação em pagamento, mensagens eletrônicas, comprovantes bancários, informações do imposto sobre a renda, recibos, podendo, igualmente, invocar-se o preceito contido no § 1º, do art. 29, do Provimento CNJ nº 44/2015 e nos §§ 1º e 2º, do art. 1.257 c/c inciso VII, do art. 1.260, do Provimento CGJ/RJ nº 87/2022 c/c inciso I, § 5º, do art. 206, do Código Civil.
A propósito, consigne-se que os §§ 15 e 17 do art. 176 da Lei de Registros Públicos, e no § 2º do art. 440-E e § 1º, do art. 440-AF, ambos do Provimento CNJ nº 150/2023, conferiram aos registradores imobiliários o poder de atenuar em suas análises os elementos da especialidade subjetiva e objetiva, com a finalidade de impedir que este delegatário se oponha à prática de atos de registro ou de averbação diante de eventual escassez informacional.
Conforme podemos perceber pela simples leitura do texto legal e administrativo, tanto o notário, como o registrador imobiliário receberam do legislador infraconstitucional e do Conselho Nacional de Justiça maior grau de autonomia e de flexibilidade nas suas respectivas atuações, esse poder foi outorgado a esses profissionais com a finalidade precípua de se alcançar a regularização desses imóveis e, com isso, reduzir a enorme quantidade de processos atualmente existentes no Brasil, conferir eficácia máxima ao texto legal e impulsionar a economia, com o retorno daquele bem ao mundo formal.
E, mais uma vez, com precisão, o Provimento CNJ nº 150/2023, no seu art. 440-F, dispõe que é livre a escolha do tabelião de notas para a lavratura da ata notarial que visa à adjudicação compulsória, excetuando-se aquelas situações que envolvam diligências no local do imóvel.
Entre outros benefícios que o Provimento CNJ nº 150/2023 nos trouxe, podemos também destacar a previsão da necessidade da impugnação fundamentada com o intuito de obstar o pedido de registro por meio da adjudicação compulsória extrajudicial, esta previsão está contida no art. 440-AB, do aludido Provimento e repete, de certa forma, alteração dada pela Lei nº 14.82/2022, que modificou a redação do § 10, do art. 216-A, da Lei nº 6.015/1973, que trata da usucapião extrajudicial.
Em relação à notificação, que será endereçada ao requerido, para que este cumpra a obrigação no prazo de 15 (quinze) dias, sob a advertência de que o seu silêncio poderá implicar em presunção da veracidade da alegação do inadimplemento (incisos III e IV, do art. 440-R, do Provimento CNJ nº 150/2023 c/c art. 111, do Código Civil), esta mencionada notificação poderá ser pessoal, elaborada pelo oficial do registro de imóveis, e enviada pelo correio com aviso de recebimento, facultando-se ao oficial do registro imobiliário o encaminhamento pelo oficial do registro de títulos e documentos. Poderá, também, a notificação ser por hora certa (art. 1.264, do Provimento CGJ/RJ nº 87/2022 c/c § 3º-A, do art. 26, da Lei 9.514/1997, com a alteração dada pela Lei nº 13.465/2017) e, finalmente, por edital (art. 440-X, do Provimento CNJ nº 150/2023).
Em continuação a essa temática da notificação, aconselhamos que os operadores do Direito tenham como hábito a inclusão do endereço e aplicativos de comunicação eletrônicos nos contratos e documentos (§ 1º, do art. 440-T, do Provimento CNJ nº 150/2023), permitindo que as notificações que se fizerem necessárias durante a relação contratual ou profissional possam ser efetivadas por essas formas mais simples e, muitas vezes, mais eficazes de comunicação, obrigando, simultaneamente, as partes que informem eventual alteração desses dados.
O OBJETO DA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA
Como vimos pelo breve histórico reportado neste artigo, constatamos que, desde a sua criação no direito brasileiro, a possibilidade de se pleitear a adjudicação compulsória de determinado imóvel faz alusão à promessa de compra e venda, à cessão dos direitos aquisitivos e a seus respectivos sucessores, sem que haja a cláusula de arrependimento, quando possível a sua previsão.
Com exatidão, o Provimento CNJ nº 150/2023 alargou esse objeto, contemplando qualquer ato ou negócio jurídico que implique promessa de compra e venda ou promessa de permuta, bem como as suas cessões ou promessas de cessões, antevendo, inclusive, que poderá haver a previsão da cláusula de arrependimento, desde que a referida cláusula não seja mais eficaz.
Reitere-se, por conseguinte, que o Conselho Nacional de Justiça pretendeu com essa determinação conferir eficácia máxima ao instituto, prevendo que, desde que haja qualquer título, e.g., contrato particular de compra e venda, recibo (atos e negócios jurídicos), que forme uma cadeia de títulos sequencial e ininterrupta e que estejam presentes os elementos essenciais de formação do contrato, estes estarão aptos a conferir o direito à adjudicação compulsória extrajudicial, dando muito mais ênfase à intenção consubstanciada naquele instrumento do que ao sentido literal da linguagem, vide art. 112 do Código Civil.
Por sua vez, vale ressaltar que, por inúmeras ocasiões, ficamos impedidos de lavrar determinado ato notarial que visa à regularização imobiliária por uma questão aparentemente de menor importância, que é a falta do CNPJ (para pessoas jurídicas) e do CPF (para pessoas físicas), e não pela ausência dos elementos essenciais do contrato, vide o inciso I, do art. 440-L do Provimento CNJ nº 150/2023.
Em relação às pessoas jurídicas, temos que o Cadastro Geral de Contribuintes (CGC) foi criado em 1964 e, no ano de 1998, passou a denominar-se Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).
No que tange às pessoas físicas, em 1965 foi criado o Cadastro de Identificação Civil (CIC), e em 1968 o CIC passou a denominar-se Cadastro de Pessoa Física (CPF), todavia não havia a obrigatoriedade de inscrição no mencionado cadastro e, por exemplo, era extremamente comum a mulher casada usar o CPF do marido. Somente em 2015 se tornou obrigatória a inscrição do CPF e a atual Instrução Normativa que regula essa matéria é a RFB nº 1.548, de 13 de fevereiro de 2015.
O CNPJ, por sua vez, foi criado no dia 1º de julho de 1998, por intermédio da Instrução Normativa SRF nº 27/1998, como uma evolução do antigo Cadastro Geral de Contribuintes – CGC (Leis nºs 4.503/1964 e 5.614/1970). E, a partir de 1º de janeiro, passaram a valer as novas regras previstas na Instrução Normativa RFB nº 2.119/2022, a qual dispõe sobre o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. O objetivo da norma é unificar, simplificar, atualizar e dar maior clareza quanto à disposição das informações para facilitar o entendimento.
Como solução para esse impasse, sugerimos que o Conselho Nacional de Justiça expeça ato normativo no sentido de se permitir e outorgar poder aos Tabeliães de Notas, para que estes requeiram as devidas inscrições perante os cadastros federais, com esse único propósito, v.g., regularização imobiliária.
DA LEGITIMAÇÃO POSTULATÓRIA
Em relação aos legitimados a requerer a adjudicação compulsória extrajudicial, também houve uma expansão dessa legitimação. O art. 216-B determina que estão legitimados a requerer a adjudicação compulsória extrajudicial o promitente comprador, qualquer um de seus cessionários ou promitentes cessionários, possibilitando-se, igualmente, esse direito ser exercido pelo promitente vendedor, condicionando nas duas situações, o pedido à representação de advogado.
Ao contrário do que muitos imaginam, a possibilidade de o compromitente vendedor requerer a adjudicação compulsória em face do compromissário comprador não se trata de uma novidade introduzida pela Lei nº 14.382/2022, esta possibilidade já havia sido prevista no Código de Processo Civil de 1939, que no seu art. 347, assim determinava:
“O compromitente que houver recebido todas as prestações, e apresentar documento comprobatório de registro, poderá requerer a notificação do compromissário, para, no prazo de trinta (30) dias, que correrá em cartório, receber a escritura definitiva de compra e venda.
Parágrafo único – Não sendo assinada a escritura nesse prazo, o lote comprometido será depositado, por conta e risco do compromissário, que responderá pelas despesas judiciais e custas do depósito.” (negrito acrescentado)
Apesar de existir a previsão legal e administrativa para a adjudicação inversa (adjudicação requerida pelo compromitente vendedor), na prática, o manejo desse instituto pelo compromitente vendedor é ínfimo ou nenhum, posto que, deverá aquele compromitente vendedor arcar com o pagamento dos tributos incidentes, laudêmio, foro, taxa de ocupação, emolumentos atinentes à escritura pública (ata notarial com valor econômico), certidões e registro, sobre aquele imóvel que se pretende adjudicar.
A propósito, esse é um problema, que temos que pensar em uma solução adequada e assertiva, as construtoras e incorporadoras em todo o nosso país, após a venda (lato sensu) do imóvel, são demandadas pelos entes públicos, como por exemplo, para que efetuem o pagamento do imposto predial incidente sobre o imóvel alienado, em razão da desídia do comprador (lato sensu), em registrar o imóvel adquirido e pagar as despesas e encargos que lhe são correlatos.
Já o Provimento CNJ nº 150/2023, repita-se, mais uma vez, acertadamente, não restringiu os legitimados e os denominou genericamente de transmitente e adquirente, condicionando, igualmente, o pedido à representação por advogado ou defensor público, devendo a procuração ser específica, vide art. 440-C, Parágrafo único, do Provimento CNJ nº 150/2023.
DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO, DO FORO, DA TAXA DE OCUPAÇÃO E DO LAUDÊMIO
Mais uma vez, o Conselho Nacional de Justiça acertou ao determinar que o imposto de transmissão deverá ser comprovado somente no momento que se efetivar o registro do pedido de adjudicação compulsória extrajudicial, vide art. 440-AL do Provimento CNJ nº 150/2023, haja vista que não teria sentido o recolhimento antecipado do tributo sem a garantia que o pedido de adjudicação de determinado bem imóvel fosse deferido pelo registrador imobiliário.
Ainda no que se refere ao pagamento do imposto de transmissão, por se tratar de modo de aquisição de propriedade imóvel derivada, há outra questão de fundamental relevância: saber se o registrador imobiliário, à vista do que dispõe o inciso XI, do art. 30, da Lei nº 8.935/1994, do art. 289, da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), do inciso VI, do art. 134, da Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional), exigirá, no momento em que se pretende adjudicar compulsoriamente determinado imóvel pela via extrajudicial, a comprovação do imposto de transmissão incidente sobre todas as eventuais cessões que formam a cadeia sucessiva de títulos.
Esclareça-se que essa matéria atinente ao imposto de transmissão na adjudicação compulsória extrajudicial, por se tratar de assunto que versa sobre direito tributário e atendendo ao comando constitucional previsto no inciso I, do art. 24, da Constituição da República, que determina competir à União legislar concorrentemente sobre direito tributário, o Conselho Nacional de Justiça, assim como, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com razão, abstiveram-se de discorrer administrativamente sobre o citado imposto, todavia, tanto o Conselho Nacional de Justiça (art. 440-AL, do Provimento CNJ nº 150/2023), como a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, (VI, do art. 1.260, do Provimento CGJ/RJ nº 87/2022), referem-se ao imposto de transmissão sobre a adjudicação compulsória extrajudicial na forma singular.
Certo é ainda, que, no âmbito do Poder Judiciário, quando da propositura da ação de adjudicação compulsória, exige-se tão somente a comprovação de um único imposto de transmissão, e.g., aquele decorrente da adjudicação compulsória (Apelação Cível nº 0132466-81.2022.8.19.0001, relator Des. Eduardo Antônio Klausner, 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro). Ademais, importante, simultaneamente, invocar-se o Tema de Repercussão Geral nº 1124, que determina o que se segue adiante:
“O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro.” (negrito acrescentado)
Certamente, exigir-se a comprovação do pagamento do imposto de transmissão inter vivos a cada cessão que integra a cadeia de títulos do imóvel, que se pretende adjudicar, não parece ser o melhor entendimento, pois, dessa forma, estar-se-ia inviabilizando o manejo da via extrajudicial pela parte interessada, ao lhe conceder tratamento diferenciado excessivamente mais oneroso que a via judicial, contrariando o espírito da lei e o interesse público.
No tocante ao pagamento do foro, da taxa de ocupação e do laudêmio, tem-se, primeiramente, que compreender do que se trata cada uma dessas cobranças, haja vista que estamos diante de institutos absolutamente distintos, mas, que, na maior parte das vezes, são confundidos, gerando confusão e entendimentos equivocados.
Fazendo uma breve retrospectiva sobre o foro e o laudêmio, é importante esclarecer que a enfiteuse é um direito real sobre coisa alheia (emprazamento ou aforamento), previsto no Código Civil de 1916, no inciso I, do art. 674 c/c 686, que incidirá sobre as transações onerosas, sempre que o senhorio direto não exercer o seu direito de preferência à compra daquele bem, ou seja, trata-se de uma recompensa (laudêmio vem do latim laudare, que significa prêmio) financeira pelo não exercício do direito de preferência, sendo certo ainda, que a responsabilidade pelo seu pagamento em uma transação onerosa é do alienante, se o contrato não dispuser de forma diversa.
Já o foro (cânon ou pensão anual) é um pagamento anual, que se dá em decorrência da enfiteuse, e.g., paga-se o laudêmio tão somente quando houver transação onerosa e o foro será pago, certo e invariavelmente, havendo ou não transação onerosa sobre determinado bem (recompensa financeira ao senhorio direto pela privação do uso da sua propriedade) e a falta do seu pagamento acarretará a pena de comisso e a consequente extinção da enfiteuse, vide inciso II, do art. 692, do Código Civil de 1916.
O atual Código Civil não previu a enfiteuse no seu art. 1.225, proibindo, inclusive, no art. 2.038 a sua constituição, bem como a de subenfiteuses. Entretanto, determinou que as enfiteuses já existentes ficariam subordinadas ao regramento do Código Civil de 1916, ressalvando, ainda, que as enfiteuses dos terrenos de marinha regular-se-ão por lei especial (Decreto-Lei nº 9.760/1946; Lei nº 9.636/1998; Lei nº 11.481/2007). Importante assinalar que as enfiteuses instituídas pelos entes públicos permanecem em pleno vigor.
Entretanto, nas duas situações, enfiteuses privadas e públicas, a obrigação de pagar o foro e o laudêmio decorrem de um contrato, no caso, de enfiteuse, que deverá ser registrado no registro imobiliário da situação do imóvel, por força do disposto no item 10, I, do art. 167, da Lei nº 6.015/1973, com o intuito de garantir as características de direito real.
Por conseguinte, não há que se falar, quando se tratar de enfiteuse instituída pelo ente público (bens públicos dominiais, inc. III, art. 99, do Código Civil), em tributo nem em fato gerador, posto que, não ostentam natureza tributária, mas sim, de obrigação administrativa, sendo considerado preço público. No caso da enfiteuse pública é o ente público agindo como se fosse um particular.
Por seu turno, quando se tratar de enfiteuses privadas, instituídas pelo particular, o pagamento do foro e do laudêmio será uma obrigação civil, e como toda obrigação pessoal vincula somente as partes e se submeterá ao prazo prescricional previsto na nossa legislação civil, por força do disposto no inciso I, § 5º, do art. 206. Portanto, a regra geral é que as obrigações vinculam tão somente as partes que a estabelecem.
De outro giro, temos a obrigação propter rem, que, em apertadíssima síntese, significa uma obrigação que adere ao imóvel, sendo, portanto, exceção à regra geral, que é aplicada às obrigações. E, por se tratar de exceção, deverá haver previsão legal para que essa obrigação adira ao imóvel e seja considerada uma obrigação propter rem. Por exemplo, o adquirente de unidade condominial responde pelos débitos do alienante, vide art. 1.345, do Código Civil; pagamento das taxas associativas, vide art. 36-A, da Lei nº 6.766/1979; pagamento do imposto predial urbano (iptu), arts. 130 e 131, da Lei nº 5.172/1966.
Agora, situação diversa é o terreno de marinha, que é propriedade da União, de acordo com o inciso VII, do art. 20, da Constituição Federal e com a letra “a”, do art. 1º, do Decreto-Lei nº 9.760/1946. “Terreno de marinha é aquele bem público que se destina historicamente à defesa territorial e, atualmente, à proteção do meio ambiente costeiro, permitindo-se ocupação por particulares, mediante o pagamento de taxa de ocupação e de laudêmio quando da transferência, em relação eminentemente pública, regida pelas regras do direito administrativo” (Recurso Especial nº 1.201.256 – RJ, relator Ministro Benedito Gonçalves).
Sendo assim, quando se tratar de terreno de marinha haverá ocupação (art. 7º e 47, da Lei nº 9.636/1998), com o consequente pagamento da taxa de ocupação pelo uso do imóvel da União e o laudêmio, devido por ocasião da alienação onerosa da posse, devendo a sua inscrição ser efetivada perante a Secretaria de Patrimônio da União, pertencente ao Ministério do Planejamento.
Conquanto, a nomenclatura taxa de ocupação nos remeta à ideia de que se trata de uma taxa, espécie tributária (art. 77, da Lei nº 5.172/1966, inc. II, do art. 145, da Constituição Federal), na verdade, esta cobrança federal se refere a preço público, decorrente de relação pessoal entre o ocupante e a União (vide § 2º, da Lei 4.320/1964), não sendo, igualmente, considerada obrigação propter rem.
Por outro lado, em se tratando de imóveis da União, não poderá haver transferência onerosa sem o prévio recolhimento do laudêmio, conforme disposto no art. 3º, do Decreto-Lei nº 2.398/1987 e art. 24, do Decreto-Lei nº 3.438/1941. Nesse caso, a lei foi expressa e taxativa.
Após os esclarecimentos acima, conclui-se que se estivermos diante de um imóvel que tenha em sua matrícula registrado um contrato de enfiteuse privada, esta não será impeditiva tampouco condicionante ao deferimento do registro da adjudicação compulsória extrajudicial. Adicione-se, também, que havendo inúmeras cessões que formam a cadeia dominial dos títulos, cobrar-se-á apenas um laudêmio; e o foro, nessa hipótese, como se trata de obrigação pessoal, não poderá ser transferido para o atual adquirente, que não integrou a relação obrigacional anterior.
No que se refere à enfiteuse pública, visto que existe previsão legal, tanto o laudêmio, como o foro, ambos deverão ser quitados, antes do deferimento pelo registrador imobiliário ao do pedido de adjudicação compulsória, no entanto, as cobranças deverão ser atinentes única e exclusivamente ao aludido pedido de adjudicação, da mesma forma prevista para a comprovação do imposto de transmissão devido ao município.
DA NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO DE TODOS OS TITULARES DE DIREITOS REAIS CONSTANTES NA MATRÍCULA
Conquanto o Código de Normas do Estado do Rio de Janeiro tenha sido uma normativa administrativa digna de aplausos e elogios por ser sido extremamente de vanguarda e corajosa, abordando temas jurídicos muito sensíveis, este regramento administrativo incorreu em equívoco ao determinar nos seus §1º, do art. 1.260, § 5º, do art. 1.263, art. 1.265 e art. 1.266, todos do Provimento CGJ/RJ nº 87/2022, que fosse efetivada a notificação de todos os titulares de direitos reais constantes na matrícula do imóvel que se pretende adjudicar, como se demonstrará adiante.
Apesar de o Provimento CNJ nº 150/2023 ser aparentemente silente quanto a essa temática, por meio de uma leitura sistemática do mencionado Provimento se verá que não há necessidade de se notificar todos esses titulares de direitos reais, porquanto no seu inciso V, do art. 440-L, do citado Provimento, faz alusão apenas ao requerido, repetindo o termo no singular, nos demais artigos 440-P, 440-S, II e III, 440-U, 440-W, 440-X §§ 1º e 2º, 440-AC e 440-AF, ressalvando, tão somente, quando for o caso da necessidade da notificação do outro cônjuge ou do companheiro, nessa hipótese, fazendo uso da palavra requerido no plural (art. 440-P, do Provimento CNJ nº 150/2023).
Adite-se a esse argumento, que a sistemática notarial e registral brasileira não exige a participação dos cessionários, quando há a lavratura de escritura de compra venda e cessão, bastando que se mencione no aludido ato notarial as cessões constantes que formam a cadeia sequencial dos títulos.
Como última refutação a esta necessidade da notificação de todos os titulares dos direitos reais, temos que essa obrigatoriedade de notificação tornaria o processo de requerimento de adjudicação compulsória perante o registro imobiliário muito mais oneroso do que o processo judicial, contrariando, indubitavelmente, a intenção do legislador nacional e do Conselho Nacional de Justiça que foi, repita-se à exaustão, conferir plena efetividade à norma, incrementar a economia e contribuir para a diminuição do número de processo junto ao Poder Judiciário.
CONCLUSÃO
Desde a sua criação, a ação de adjudicação compulsória sempre foi mal compreendida pelos operadores do Direito, com certa dose de razão, incompreensão essa, certamente, decorrente da nossa legislação que é extremamente desordenada, conforme demonstrado no breve histórico no preâmbulo deste trabalho.
Com o propósito de regularizar determinado bem imóvel, as ações propostas eram indistintamente denominadas ação de obrigação de fazer, ação cominatória e ação de adjudicação compulsória. Consigne-se, também, que a ação judicial de adjudicação compulsória já seguiu o rito sumaríssimo, o sumário e, atualmente, segue o ordinário.
Por tudo o que foi exposto acima, o cenário atual é de que, até o presente momento, não dispomos de qualquer diagnóstico sobre esse fundamental assunto, nem de dados estatísticos que demonstrem os motivos mais recorrentes que conduzem à propositura de ação visando à regularização de bem imóvel.
Como sugestão, agora que é possível o requerimento da adjudicação compulsória e do reconhecimento da usucapião pela via extrajudicial, seria recomendável que o Conselho Nacional de Justiça compilasse dados estatísticos com informações qualificadas. Esses dados e essas informações qualificadas nos permitiriam ter ciência do número de atas notariais lavradas com vistas ao reconhecimento da usucapião e do registro da adjudicação compulsória, os seus respectivos fundamentos e o número de atas que foram convertidas no registro imobiliário em algum direito real (à exceção dos direitos reais de garantia para a usucapião) ou tiveram o seu registro conferido pelo registrador imobiliário, no caso da adjudicação compulsória.
Fora isso, ainda de lege ferenda, possibilitar o manejo do instituto da adjudicação compulsória extrajudicial, para concretização não só do direito de propriedade, mas, também, de cessão de direitos e outros, que configurem a efetivação de um instrumento compromissório, pois, muitas vezes, somos impedidos de promover a regularização de determinado imóvel, porque temos uma promessa de cessão de direitos (muitas vezes, já quitada) no meio de uma sequência de cessões que formam uma cadeia dominial. Se o instituto da adjudicação compulsória extrajudicial é capaz de garantir o direito de propriedade, a fortiori, deverá, igualmente, ser capaz de convolar um compromisso de cessão em cessão definitiva.
Sem dúvida, à medida que tivermos dados e informações qualificadas, seremos mais assertivos nas soluções dos problemas que nos são apresentados e, com isso, esperamos ser capazes de efetivamente conferir eficácia ao comando constitucional do acesso à Justiça.