Após o advento da Constituição de 1988, diversos novos direitos foram estabelecidos, principalmente, no que concerne os direitos fundamentais de segunda geração, sendo esses sociais, econômicos e culturais. São os direitos de titularidade coletiva e diferentemente dos direitos de primeira geração, são positivos, demandando um agir efetivo do Estado para assegurá-los. Podemos citar como exemplo o direito à educação, à moradia, à saúde, à alimentação, à segurança, o direito do idoso, da criança, da pessoa com deficiência, entre tantos outros, ao mesmo tempo, que o nosso texto constitucional prevê a inafastabilidade de apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer lesão ou ameaça a direito, na forma do art. 5o, inciso XXXV, da Carta Republicana.
Isso tudo fez com que o número de ações em trâmite nos nossos tribunais aumentasse exponencialmente, deixando o Poder Judiciário sem condições de atender de forma eficaz a todas as demandas, fazendo com que, a despeito do princípio da duração razoável do processo, esculpido no art. 5o, inciso LXXVIII, da CF-88, os processos demorassem vários e vários anos param terem um desfecho.
Diante desse fato, o Governo Federal iniciou um movimento que chamamos de desjudicialização, modernamente, já chamado de compartilhamento da justiça, posto que, na verdade, não se trata de uma subtração, mas sim, de um compartilhamento com o Poder Judiciário da responsabilidade por esse número estratosférico de ações judiciais, transferindo-se determinadas questões que não envolvem litigiosidade, ou seja, de jurisdição voluntária, para os serviços extrajudiciais. Como exemplo dessa tendência, temos o reconhecimento da paternidade diretamente nos Registros Civis (Lei nº 8.560/92), o reconhecimento de filiação homoparental (Provimento CNJ nº 52/16), e também, o da filiação socioafetiva, com o Provimento CNJ nº 63/17, que revogou o Provimento CNJ nº 52/16, o processamento do inventário, do divórcio e da separação extrajudiciais, diretamente nos Ofícios de Notas (Lei nº 11.441/07 e Resolução CNJ nº 35/2007), o reconhecimento da usucapião extrajudicial, diretamente no Registro de Imóveis (art. 1.071, do CPC e Provimento CNJ nº 65/17).
Em observância ao resultado positivo que vinha trazendo, foram editadas, a Lei da Arbitragem (Lei nº 9.307/96) e a Lei da Mediação (Lei nº 13.140/15), ou seja, como forma de desafogar o Poder Judiciário, só que nesse caso em demanda que efetivamente possuíam litigiosidade, sendo certo que na Arbitragem, por exemplo, as decisões possuem a mesma eficácia que as exaradas pelo Poder Judiciário.
A MEDIAÇÃO E A ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO
Antes de adentrarmos ao nosso tema que é a mediação e os cartórios, é de suma importância que estabeleçamos a diferença entre mediação judicial e a mediação extrajudicial, para que possamos entender que tipo de mediação os cartórios poderão realizar.
Existem inúmeras diferenças entre a mediação judicial e a extrajudicial (www.cartorio15.com.br/centro de estudos/quadro sinótico das diferenças entre a mediação judicial e a extrajudicial), a começar que a mediação judicial, após o advento do novo Código de Processo Civil, no art. 334, passou a ser obrigatória, ou seja, proposta a ação, o réu não mais será citado para oferecer defesa, mas sim, para participar de uma audiência de conciliação ou de mediação. Além de ser obrigatória, a mediação judicial se desenvolve no âmbito de um processo judicial.
Fora isso, para ser tornar um mediador judicial, deverão ser preenchidos requisitos mais rigorosos do que para se tornar um mediador extrajudicial.
Então, para que não restem dúvidas – a mediação que poderá ser realizada nos cartórios é a mediação extrajudicial -, estando explícito no art. 42, da Lei nº 13.140/15, “aplica-se esta Lei, no que couber, às outras formas consensuais de resolução de conflitos, tais como mediações comunitárias e escolares, e àquelas levadas a efeito nas serventias extrajudiciais, desde que no âmbito de suas competências”.
Não resta dúvida, portanto, que os tabelionatos poderão realizar dentro das suas serventias sessões de mediação, obviamente, atendendo a todas as exigências contidas na aludida Lei de Mediação.
Aliás, qualquer pessoa, que seja capaz, que tenha confiança das partes e que tenha sido capacitada para conduzir uma mediação, poderá ser mediador extrajudicial, ou seja, a lei quis ser o mais abrangente possível, passando a seguinte mensagem: o fundamental é conseguir, por meio da mediação, resgatar o fluxo de comunicação entre as partes e quem sabe se chegar a um acordo, não importando quem seja o mediador.
A Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) caminhou em idêntico sentido, in verbis:
“Art. 13 – Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes”.
No entanto, os cartórios ficaram até março de 2018 impedidos de prestar o serviço de mediação por determinação do Conselho Nacional de Justiça, proferida nos autos de uma consulta formulada por um Tabelião.
De acordo com a Decisão Terminativa de junho de 2017, enquanto não houvesse ato normativo editado pelo CNJ a regulamentar a matéria, estaria vedada a realização da atividade de conciliação ou de mediação pelas autoridades cartorárias no âmbito extrajudicial.
Em 26 de março de 2018, o CNJ, por meio do Provimento nº 67, regulamentou os procedimentos de conciliação e de mediação nos serviços notariais e de registro.
DA DIFICULDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DA MEDIAÇÃO NOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO
Como vimos no capítulo acima, os serviços notariais e de registro prestarão o serviço de mediação, facultativamente, na forma do art. 2º, do Provimento CNJ nº 67/2018.
Não resta dúvida, que a mediação, caso seja realizada em um tabelionato ou registro, será uma mediação extrajudicial.
A Lei nº 13.140/2015, Lei da Mediação, teve como escopo lançar a devida luz sobre esse já não mais tão novo método de solução de conflito e explicitá-lo para toda a população, tanto é, que no seu art. 9º, estabelece que qualquer pessoa capaz, que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, poderá ser um mediador.
A supracitada lei não condicionou a implementação da mediação a qualquer tipo de certificado, ao número de horas de prática tampouco a qualquer espécie de autorização especial de algum órgão. Foi extremamente abrangente, de forma propositada.
DO ERRO CRASSO
No entanto, o Provimento CNJ nº 67/2018, no seu art. 6º, cometeu um erro crasso, ao impor aos serviços notariais e de registro as mesmas regras atinentes à mediação judicial, in verbis:
“Art. 6º – Somente poderão atuar como conciliadores ou mediadores aqueles que forem formados em curso para o desempenho das funções, observadas as diretrizes curriculares estabelecidas no Anexo I da Resolução CNJ nº 125/2010, com a redação dada pela Emenda nº 2, de 8 de março de 2016.
§ 1º – O curso de formação mencionado no caput deste artigo será custeado pelos serviços notariais e de registro e será ofertado pelas escolas judiciais ou por instituição formadora de mediadores judiciais, nos termos do art. 11 da Lei nº 13.140/2015, regulamentada pela Resolução ENFAM nº 6 de 21 de novembro de 2016”.
Esse equívoco permeou todo o Provimento, tornando-o inexequível para os serviços notariais e de registro.
Então, vejamos:
Imposição das regras contidas na Resolução CNJ nº 125/10 (que trata da mediação judicial), Anexo I, para que o escrevente de uma serventia se torne um mediador;
Menção a palavra “causa” no §1º, do art. 5º, do Provimento CNJ nº 67/18;
Utilização, no art. 27, para a mediação extrajudicial do equivocado termo “audiência” (aplicável apenas à mediação judicial), quando deveria ser “sessão” de mediação e de conciliação;
“Art. 27. Os serviços notariais e de registro que optarem por prestar o serviço deverão instituir livro de conciliação e de mediação, cuja abertura atenderá às normas estabelecidas pelas corregedorias-gerais de justiça dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios.
- 1º – Os termos de audiência de conciliação ou de mediação serão lavrados em livro exclusivo, vedada sua utilização para outros fins.
- 4º – Poderá ser adotado simultaneamente mais de um livro de conciliação e de mediação para lavratura de audiências por meio eletrônico.
Art. 29. Nos termos de audiências de conciliação e de mediação lavradas em livro de folhas soltas, as partes lançarão a assinatura no final da última, rubricando as demais”;
Menção, no Parágrafo único, do art. 22, ao inciso IV, do art. 784, do Código de Processo Civil, que regula o título executivo obtido em uma mediação judicial. Quando a mediação for extrajudicial e o acordo for conquistado, o documento público atinente àquela mediação será um título executivo extrajudicial, portanto, aplicar-se-á o inciso II, do art. 784, da lei adjetiva.
“Art. 22. Obtido o acordo, será lavrado termo de conciliação ou de mediação e as partes presentes assinarão a última folha do termo, rubricando as demais. Finalizado o procedimento, o termo será arquivado no livro de conciliação e de mediação.
Parágrafo único. Será fornecida via do termo de conciliação ou de mediação a cada uma das partes presentes à sessão, que será considerado documento público com força de título executivo extrajudicial, nos termos do art. 784, IV, do CPC.
Outro equívoco do referido artigo é que, quando um documento público é lavrado, ou seja, quando o livro de mediação for firmado pelas partes, não será extraída uma via do documento (Parágrafo único, do art. 22 e §1º, do art. 36, do Provimento CNJ nº 67/18), esse termo é absolutamente impróprio, a cópia fidedigna do instrumento público denomina-se certidão e traslado;
Novamente referência à palavra audiência no art. 39. Segue a transcrição do aludido artigo: “Art. 39. Com base no art. 169, § 2º, do CPC, os serviços notariais e de registro realizarão sessões não remuneradas de conciliação e de mediação para atender demandas de gratuidade, como contrapartida da autorização para prestar o serviço.
Parágrafo único. Os tribunais determinarão o percentual de audiências não remuneradas, que não poderá ser inferior a 10% da média semestral das sessões realizadas pelo serviço extrajudicial nem inferior ao percentual fixado para as câmaras privadas”.
Em sequência:
O serviço notarial e de registro deverá iniciar um processo para obter autorização para prestar esses serviços perante o NUPEMEC (Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Soluções de Conflito) e a CGJ (Corregedoria Geral da Justiça);
Poderá designar no máximo 5 (cinco) escreventes;
O escrevente para ser mediador ou conciliador deverá ser certificado, de acordo com a Resolução CNJ nº 125/10, Anexo I, com a redação dada pela Emenda nº 2/2016 (que trata da mediação judicial), ou seja, ele terá que demonstrar que participou de 40hs/aula (teórica) + 100 horas de estágio, sendo que para que ele tenha o certificado terá que comprovar 100% (cem por cento) de frequência no módulo teórico;
Ademais, o escrevente terá que, a cada 2 (dois) anos, comprovar curso de aperfeiçoamento;
Os procedimentos de conciliação e de mediação nos tabelionatos terão dupla fiscalização, uma pela Corregedoria Geral da Justiça e outra pelo juiz coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC);
Fora isso, tanto a Lei nº 13.140/2015, no seu art. 42, como o Provimento CNJ nº 67/2018, em seu art. 13, determinam que o serviço notarial e de registro só poderá prestar o serviço dentro do âmbito da sua competência. Entendo que essas determinações tornarão a prestação do serviço muito confusa, haja vista que as competências por vezes podem gerar dúvidas. Por exemplo, em se tratando da usucapião, o Provimento CNJ nº 65/17, em seu art. 18, determinou que as questões que envolvessem usucapião deveriam ser mediadas pelo registrador. Por que o registrador, se o notário também participa, intensamente, do procedimento da usucapião, no momento que lavra a ata notarial? (quando o CNJ editou o Provimento nº 65, nenhum notário ou registrador poderia realizar sessão de mediação ou de conciliação, por força da Decisão Terminativa de junho de 2017, já anteriormente comentada);
Outra grande dificuldade será a cobrança do serviço. Nos termos do Provimento CNJ nº 67/2018, o preço (emolumento) do serviço será o de uma escritura declaratória sem valor econômico, se a sessão de mediação durar até 60 (sessenta) minutos. No Rio de Janeiro o valor da escritura declaratória sem valor econômico é de R$ 215,46, sendo que apenas 26% desse valor pertencerá ao tabelionato, o restante dessa importância corresponde aos tributos que deverão ser recolhidos;
E, por fim, caso a sessão exceda os 60 (sessenta) minutos, será cobrado pelo tempo excedido, proporcionalmente. Como vamos fiscalizar esse tempo excedido? Sob que rubrica esse tempo excedido será considerado e cobrado, posto que não existe esse ato notarial? Cabe lembrar que apenas na hipótese de a mediação lograr êxito e ser celebrado um acordo é que este será formalizado por meio de uma escritura declaratória sem valor econômico. Apenas neste caso, teremos como fiscalizar e recolher os tributos devidos.
MEDIAÇÃO – UMA QUESTÃO CULTURAL
Apesar de todos os esforços do Governo no sentido de promover outros métodos de solução e de prevenção de conflitos, com vistas a uma participação mais colaborativa de todos os envolvidos, abandonando-se aquela mentalidade adversarial, sendo que essa tarefa não é das mais fáceis.
Qualquer mudança cultural é algo bem mais complexo que possa, a princípio, parecer.
E de que forma nós, tabeliães, advogados e operadores do direito, podemos ajudar para que haja essa mudança?
Entendo que uma forma bem simples de se promover essa mudança cultural, seria a inserção nos contratos de trato sucessivo ou continuado, de cláusula prevendo a mediação prévia, mal comparando a uma cláusula compromissória que prevê a necessidade da resolução do conflito pela Arbitragem.
Por exemplo, em uma escritura de união estável, no pacto antenupcial, na promessa de compra e venda, no contrato de locação, em que houvesse a cláusula de mediação prévia, a parte, pelo menos a priori, em caso de desentendimento, não poderia ingressar com procedimento arbitral ou processo judicial, sem antes tentar a mediação, criando-se, dessa forma, uma nova condição específica para o regular exercício do direito de ação, ressalvando-se, entretanto, as medidas de urgência em que o acesso ao Poder Judiciário seja necessário para evitar o perecimento do direito, vide Parágrafo único, do art. 23, da Lei nº 13.140/15.
Vale ressaltar que se houver no contrato cláusula prevendo a mediação prévia e a outra parte não comparecer, tal fato acarretará para a parte faltosa a assunção de 50% das custas e honorários sucumbenciais, caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral ou judicial posterior, vide art. 22, da Lei nº 13.140/15.
A ideia seria que a mediação não fosse mais uma forma alternativa de solução de conflitos, mas sim, uma forma convencional de solução de conflitos, devendo a busca pelo Poder Judiciário, tornar-se a forma alternativa e derradeira.
No entanto, o já mencionado Provimento CNJ nº 67/2018, no seu art. 40, proibiu que os serviços notariais e de registro estabelecessem em documentos por eles expedidos, cláusula compromissória, repetindo idêntica proibição aos tabelionatos de protesto, no art. 15, do Provimento CNJ nº 72/18.
Esse supracitado artigo, contém três problemas de ordem técnica. A primeira diz respeito ao termo utilizado, cláusula compromissória, que é o termo utilizado pela Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96, art. 9º), quando deveria ser cláusula de mediação prévia. O segundo problema é no tocante à abrangência da aludida cláusula: i) o tabelionato não poderia estabelecer cláusula de mediação prévia elegendo como mediador o próprio serviço notarial ou estaria, definitivamente, vedado de estabelecer a cláusula de mediação prévia para qualquer Câmara, Centro ou pessoa? O terceiro trata-se de erro material, haja vista que no supracitado art. 40, o texto refere-se à cláusula compromissária (sic).
Com isso, entendo que perdemos uma excelente oportunidade de promover essa tão almejada mudança cultural.
DE LEGE FERENDA
Outra forma de conquistarmos essa mudança cultural, seria propormos uma alteração no Código de Processo Civil, de forma que não fosse possível a propositura de qualquer ação, sem antes a parte tentar a conciliação ou a mediação prévia, obviamente, como já dissemos anteriormente, ressalvando-se as medidas de urgência em que o acesso ao Poder Judiciário seja necessário para evitar o perecimento do direito, vide Parágrafo único, do art. 23, da Lei nº 13.140/15.
A propósito essa ideia não é nenhuma novidade tampouco é original. A nossa Constituição do Império de 1824 determinava a conciliação prévia, ou seja, era pressuposto ao ajuizamento de ação judicial, como se observa pela leitura do art. 161, da aludida Constituição: “Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará processo algum”. – Não se seria interessante manter esse parágrafo, pois pode a imposição de cláusula de mediação prévia no CPC ser interpretada como violação a inafastabilidade da tutela jurisdicional.
COMO SERIA A MEDIAÇÃO NOS TABELIONATOS?
No que tange ao procedimento de mediação propriamente dito, ou seja, como se desenvolverá a mediação em um tabelionato, entendo que a regra quanto a esse procedimento é única e está detalhada na sua íntegra na Lei nº 13.140/2015 e repetida no Provimento CNJ nº 67/2018.
Frise-se que, no que se refere à necessidade de confidencialidade do procedimento, nós, tabeliães, já temos essa obrigação impressa no nosso DNA e, também, expressa no inciso VI, do art. 30, da Lei nº 8.935/94 (lei que regula a atividade notarial e de registro).
Faz-se premente, ainda, dizermos que o documento expedido pelo tabelionato é e sempre será um documento público, valendo como título executivo extrajudicial, nos termos do inciso II, do art. 784, do Código de Processo Civil.
Com efeito, equivocou-se, indubitavelmente, o referido Provimento CNJ nº 67/2018, no seu art. 22, em dois pontos: (i) o inciso IV, do art. 784, do Código de Processo Civil, trata da mediação obtida judicialmente (que inclusive não exige as duas testemunhas para se tornar um título executivo extrajudicial; (ii) os documentos expedidos pelos Tabelionatos são documentos públicos e não como exposto no Parágrafo único, do art. 22, do citado Provimento, considerado documento público.
O documento público, já pela própria essência, permite que a sua ciência seja franqueada a todos.
DE QUE FORMA CONCILIAR, ENTÃO, A QUESTÃO DA CONFIDENCIALIDADE, ÍNSITA NAS MEDIAÇÕES, COM A PUBLICIDADE DOS DOCUMENTOS EXPEDIDOS PELOS TABELIONATOS?
Entendo que uma forma de conciliarmos a exigibilidade da confidencialidade da mediação com a publicidade dos documentos públicos seria estabelecermos um cerceamento a essa publicidade dos documentos públicos.
Ressalte-se que diversos estados da nossa Federação já determinaram esse cerceamento da publicidade do ato notarial na expedição de certidões dos testamentos públicos.
Então, vejamos o que diz o art. 369-A da Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro – parte extrajudicial:
“Art. 369-A – O fornecimento de certidões ou informações de testamento somente se dará com a comprovação do óbito do testador. Enquanto vivo o testador, só a este, ou a procurador com poderes especiais, poderá ser fornecida certidão ou informação de testamento.
(Artigo incluído pelo Provimento CGJ nº 27/2016, publicado no D.J.E.R.J. de 25/05/2016)”.
DO CERCEAMENTO DA PUBLICIDADE DA MEDIAÇÃO REALIZADA NO MEIO ELETRÔNICO
Observe-se que, quando o Provimento CNJ nº 67 trata da mediação realizada pelo meio eletrônico, no seu Páragrafo único, do art. 33, determina-se o acesso restrito do conteúdo daquele documento somente às partes.
Vejamos, então:
“Art. 33 – Os serviços notariais e de registro deverão manter em segurança pela ordem, guarda e conservação.
Parágrafo único – O livro de conciliação e de mediação poderá ser escriturado em meio eletrônico e o traslado do termo respectivo poderá ser disponibilizado na rede mundial de computadores para acesso restrito, mediante a utilização de código específico fornecido às partes” (negrito acrescentado).
DE QUE FORMA CONCILIAR O DEVER DE CONFIDENCIALIDADE E A MEDIAÇÃO EM CENTROS DE MEDIAÇÕES EXTRAJUDICIAIS OU POR MEDIADORES (PESSOAS FÍSICAS) E A NECESSIDADE DE DUAS TESTEMUNHAS PARA QUE O TERMO DE FINAL DE MEDIAÇÃO SE TORNE UM TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL?
Imaginemos que um centro de mediação extrajudicial ou um mediador extrajudicial (pessoa física), tenham obtido um acordo, por meio da mediação.
Caso uma das partes descumpra aquele acordo e tenha que ingresssar em juízo para ver a sua pretensão atendida, por meio de um processo de execução, aquele termo de acordo terá que ter sido subscrito por duas testemunhas, para que se torne um título executivo extrajudicial, vide inciso III, do art. 784, do Código de Processo Civil.
Segue, então, a indagação, como conciliar o dever de confidencialidade com a presença de duas testemunhas?
Como sugestão, entendo que obtido o termo de acordo, os mediadores extrajudiciais integrantes de câmaras privadas ou mediadores extrajudiciais (pessoas físicas), deveriam optar pelo instrumento público, pois, nessa hipótese, não haveria a necessidade das duas testemunhas (vide inciso II, do art. 784, do Código de Processo Civil).
CHANCE DESPERDIÇADA
Outra oportunidade importante que perdemos está prevista no §1º, do art. 21 e no art. 25, ambos do já mencionado Provimento, senão vejamos:
Art. 21 […]
“§1º – Na data e hora designadas para a realização da sessão de conciliação ou de mediação, realizado o chamamento nominal das partes e constatado o não comparecimento de qualquer delas, o requerimento será arquivado.”
“Art. 25 – Em caso de não obtenção do acordo ou de desistência do requerimento antes da sessão de conciliação ou de mediação, o procedimento será arquivado pelo serviço notarial ou de registro, que anotará essa circunstância no livro de conciliação e de mediação.”
Entendo que, nas hipóteses de não comparecimento e de não obtenção do acordo, não deveríamos simplesmente arquivar o procedimento. Melhor seria lavrar uma ata notarial certificando a ausência da outra parte e, no caso, da não obtenção do acordo, lavrar-se-ia um termo de mediação declarando que não foi possível o acordo.
Isso porque, tanto a ata notarial como o termo de mediação de não obtenção do acordo poderiam ser apresentados em uma futura ação judicial, na qual o autor poderia requerer na petição inicial a dispensa da mediação ou da conciliação judicial, prevista no art. 334, do Código de Processo Civil, por entender que a mediação fora tentada e não foi possível obter o consenso ou pelo já demonstrado desinteresse em mediar da outra parte pela sua ausência injustificada.
NOVIDADES PARA OS LIVROS NOTARIAIS
O Provimento CNJ nº 67/2018 criou mais duas espécies de Livros Notariais: a) o livro de protocolo de conciliação e de mediação; b) o livro de conciliação e de mediação.
E, mais uma vez, inovando, o CNJ determinou que os supracitados livros tenham 300 (trezentas) folhas, ao invés, de 200 (duzentas) folhas, como já é praticado há décadas por todos os Ofícios de Notas, pelo menos, no Estado do Rio de Janeiro.
O PROVIMENTO CNJ nº 72, de 27.06.2018
O supracitado Provimento dispõe sobre medidas de incentivo à quitação ou à renegociação de dívidas protestadas nos tabelionatos de protesto, reiterando os mesmos equívocos já expostos no Provimento CNJ nº 67/18, ou seja, aplicação das regras para mediadores judiciais para os escreventes (mediação extrajudicial), dupla autorização, dupla fiscalização, valor dos emolumentos equivalente a uma escritura declaratória sem valor declarado, proibição da cláusula de mediação ou de conciliação prévia (art. 15, do citado Provimento), utilizando novamente o termo impróprio, cláusula compromissória.
RECOMENDAÇÃO CNJ nº 28, de 17.08.2018
Com efeito, o objetivo da mencionada Recomendação expedida pelo CNJ, foi incentivar os tribunais de justiça dos Estados e do Distrito Federal, por intermédio dos seus Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, a celebrar convênio com os serviços notariais e de registro para implantação de centros judiciários de solução de conflitos e cidadania.
Todavia, creio que a referida Recomendação, embora eivada do mais elevado interesse público, qual seja, fomentar, incentivar os métodos consensuais de solução de conflitos e, com isso, desafogar o já abarrotado Poder Judiciário, esbarrará nas mesmas dificuldades já expostas nesse trabalho, posto que no seu art. 4º determina que deverão ser observadas as disposições contidas nos Provimentos CNJ nºs 67 e 72, ambos de 2018.
Sendo assim, não resta dúvida que os supramencionados Provimentos tornam inexequível a prestação do serviço de mediação e de conciliação nos tabelionatos e registros no nosso País, em razão de um simples equívoco, aplicar as regras da mediação judicial aos tabelionatos e registros.
QUAIS SERIAM AS VANTAGENS DE SE PROCURAR UM CARTÓRIO PARA REALIZAR UMA MEDIAÇÃO?
A grande vantagem de se procurar um tabelionato para fazer uma mediação é que os atos praticados pelas Serventias Extrajudiciais (Cartórios) são escrituras públicas, conferindo, indubitavelmente, maior segurança jurídica aos atos.
Como já dito anteriormente, se houver acordo total ou parcial, será lavrada uma escritura de acordo. Caso a outra parte descumpra o acordo, esta escritura valerá como título executivo extrajudicial e não precisará de duas testemunhas, vide inciso II, do art. 784, do Código de Processo Civil e art. 20, da Lei de Mediação.
Por exemplo, se você procurar por um Centro de Mediação Comunitário, o documento do acordo terá que ser subscrito por duas testemunhas, para que se torne um título executivo extrajudicial, vide inciso III, do art. 784, do Código de Processo Civil.
O documento público é dotado de fé pública. E o que isso quer dizer? Quer dizer que faz prova plena e se presumem verdadeiros os fatos ali narrados, vide art. 215 do Código Civil e inciso II, do art. 19 da Constituição da República.
Outra vantagem do documento público é que, caso você o perca, ou sofra o mesmo alguma deterioração, basta dirigir-se ao serviço notarial em que o documento foi redigido e pedir uma nova certidão. Essa nova certidão tem o mesmo efeito do original, vide inciso II, do art. 425, do Código de Processo Civil.
E, por fim, vale ressaltar que a capilaridade dos serviços notariais e de registro é inegável (imobiliário, civil de pessoas naturais e jurídicas, de títulos e documentos, de distribuição). Há tabelionatos e registros em todo Brasil, facilitando, sobremaneira, a difusão dessa prestação de serviço.
QUANTO CUSTA UMA MEDIAÇÃO EM UM TABELIONATO ?
DA INEXEQUIBILIDADE DA COBRANÇA
De acordo com o aludido Provimento CNJ nº 67/2018, o valor cobrado pela mediação seria o de uma escritura sem valor econômico. Isso significa no Estado do Rio de Janeiro, o valor de R$ 215,46, para uma sessão de até 60 (sessenta) minutos, vide caput do art. 36, do referido Provimento.
Caso se exceda o período de 60 (sessenta) minutos, serão cobrados emolumentos proporcionais ao tempo excedido, por força do disposto no §2º, do art. 36 do já citado Provimento.
Creio que tal forma de cobrança, no estilo norte-americano timesheet, estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça, criará extrema dificuldade para os tabeliães e registradores que optarem por essa prestação de serviço.
De que forma vamos controlar esse tempo excedido? Ou melhor, a que título cobraremos esse ato notarial, posto que, ao final, o único ato notarial a ser praticado, partindo do pressuposto de que a mediação foi um sucesso e foi celebrado acordo, será a lavratura de uma escritura sem valor econômico e a expedição do seu respectivo traslado?
Por outro lado, a cobrança da escritura sem valor econômico, obtida em sessão de mediação causará uma ruptura no sistema de cobrança de emolumentos, pelo menos, na Cidade do Rio de Janeiro, pelas razões abaixo expostas:
(I) Caso a escritura de declaratória contenha um valor declarado, a cobrança desse escritura terá como base de cálculo aquele valor declarado;
(II) Na hipótese da escritura declaratória ter sido lavrada, após uma exitosa sessão de mediação, ainda que haja valor declarado, a escritura terá que ser cobrada como escritura sem valor declarado;
(III) Por fim, dando como exemplo a escritura declaratória de transação, nos termos do art. 840, do Código Civil, se houver valor declarado na escritura, está será cobrada com base no valor do acordo.
CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que, apesar do esforço positivo do CNJ de inserir as serventias extrajudiciais na cultura da mediação e na promoção dos métodos alternativos de solução e de prevenção de conflitos, não foram poucas as impropriedades cometidas pelo Provimento CNJ nº 67/2018, pelo Provimento CNJ nº 72 e pela Recomendação CNJ nº 28/18, tanto no que diz respeito ao condicionamento da atuação dos tabeliães a diversos parâmetros e requisitos não previstos na Lei de Mediação, quanto à verdadeira confusão entre os conceitos de mediação judicial e extrajudicial praticada pelo ato regulamentar.
Certamente, essas impropriedades dificultarão sobremaneira e poderão até mesmo inviabilizar a realização da mediação pelos serviços notariais e de registro, o que representa uma lamentável perda de oportunidade, visto que os tabeliães tem enorme potencial de contribuição para a criação desta nova cultura não adversarial.
É consabido que os tabeliães são profissionais dotados de fé pública e que gozam da confiabilidade da sociedade, sendo, igualmente, acessíveis à população, em razão da inegável capilaridade dos serviços notariais e de registro, e que poderiam atuar de forma determinante na difusão do instituto, esclarecendo dúvidas e garantindo uma maior segurança jurídica aos atos.
Por todo o exposto, espera-se que tais impropriedades possam ser em breve superadas para que a mediação nas serventias extrajudiciais possa voltar ao rumo e cumprir a função que norteou o legislador originário.