Monogamia x Poligamia x União estável com mais de duas pessoas

Este artigo se resume a tratar da diferenciação entre a monogamia, a poligamia e a união estável com mais de duas pessoas. Não adentrei em temas como a origem histórica, cultural e religiosa dessas formas de relacionamentos, simplesmente apontarei as peculiaridades de cada forma e o que as distinguem.

A relação monogâmica se caracteriza como uma forma de relacionamento em que um indivíduo tem apenas um parceiro durante a sua vida ou durante períodos (monogamia serial). Por outro lado, a poligamia é uma forma de relacionamento entre duas ou mais pessoas, podendo ser a poliginia (quando o homem tem mais de uma mulher ou companheira) ou poliandria (quando a mulher tem mais de um marido ou companheiro). A maior parte das nações que aceitam a poligamia se concentra na África, região de forte influência da religião muçulmana. No entanto, é importante que frisemos que a união poliafetiva a que estamos nos referindo não se trata de uma relação puramente poligâmica, tal qual temos conhecimento, em que há diversidade de parceiros, mas diversidade de núcleos familiares.

A meu ver, não há entre esses núcleos poligâmicos que conhecemos a noção de unidade, de concomitância. Na verdade, são diversos núcleos familiares que dividem o mesmo teto ou em lares diversos. Na hipótese que ora se segue abaixo, a situação é bem diferente. Vejamos, pelo nosso exemplo prático, a escritura poliafetiva que foi lavrada na Serventia do 15º Ofício de Notas da Capital do Rio de Janeiro, onde sou Delegatária desde 1998, três mulheres compareceram ao Cartório, objetivando tornar pública a relação das três, declarando que convivem sob o mesmo teto há três anos, com objetivo de constituir família e de terem filhos em comum.

Além disso, provaram que são maiores, capazes e que não existe para a união delas qualquer impedimento que haveria para o casamento, de acordo com o art. 1.521, do Código Civil. Enfim, nada mais comum do que uma família tradicional. Elas não têm uma relação aberta, ao contrário, são monogâmicas, formando um único e sólido núcleo familiar.

Obviamente, o nosso ordenamento jurídico não estava preparado para isso, tampouco a nossa Constituição da República e o nosso Código Civil. Portanto, dizer que o nosso ordenamento jurídico não permite esse tipo de união é imaginar que o legislador pátrio pensou nessa situação e a proibiu.

Por sua vez, não há igualmente que se cogitar em crime de bigamia, previsto no art. 235, do Código Penal, por idêntico fundamento, falta de previsão legal, nulla poena sine lege, além da ausência do dolo. Sinceramente, tenho forte convicção de que o nosso legislador nem sonhou com essa possibilidade.


Por outro lado, para aqueles que afirmaram categoricamente que a escritura é nula, beirando o ilegal, o que sempre repudiei, afirmando que no máximo o ato seria ineficaz (lembrando as velhas lições de direito de Pontes de Miranda e também a Tricotomia do Negócio Jurídico, de Antônio Junqueira, o negócio jurídico tem três planos, o da existência, o da validade e o da eficácia), ou seja, não produziria os efeitos colimados entre as partes, para minha surpresa, agora, em janeiro de 2016, uma das conviventes requereu, com base na escritura lavrada no 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, a inclusão das outras duas companheiras como suas dependentes no plano familiar, e o Plano de Saúde as aceitou, entendendo que elas formam uma família. Outra situação em que a escritura surtiu efeito foi junto ao Detran, pois o veículo de uma delas foi rebocado e, como sabemos, o cônjuge ou o companheiro também poderá retirar o veículo sem procuração. Foi o que aconteceu, uma das companheiras foi ao pátio onde o automóvel estava estacionado, munida da escritura lavrada no 15º Ofício de Notas de união poliafetiva e conseguiu retirar o carro. Não tenho dúvidas de que esse novo formato familiar será em breve reconhecido e respeitado como uma nova forma de família, visto que a nossa Constituição prevê que o conceito de família é plural e aberto e, a meu ver, elas preenchem todos os requisitos para que sejam vistas, reconhecidas e protegidas juridicamente como uma família. A par disso, acredito também que essa terminologia união estável poliafetiva será em pouco tempo abandonada, assim como ocorreu com a união estável homoafetiva, que, logo após a decisão do STF de maio de 2011, passou a designar-se simplesmente união estável, sem distinção se é homo ou heteroafetiva.

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